
Para usar um “pedaço de mar”, o maricultor precisa ter autorização federal e atender uma série de exigências – Foto: Divulgação / Epagri
Quase todos os moluscos produzidos no Brasil saem de Santa Catarina. O estado, que responde por 97% da produção nacional, colheu 7,5 mil toneladas de suas fazendas marinhas em 2023 – desse total, 7 mil toneladas foram de moluscos e 536 toneladas foram da macroalga Kappaphycus alvarezii. Apesar da força dessa cadeia produtiva que gera renda para centenas de famílias do litoral, muitos produtores vinham esbarrando em questões legais nos últimos anos.
Para usar um “pedaço de mar” e produzir ostras, mexilhões, vieiras ou algas, o maricultor precisa ter autorização federal e atender uma série de exigências. Afinal de contas, as águas da União não pertencem a pessoas – elas são patrimônio nacional e devem ser ocupadas com responsabilidade, atendendo questões legais e ambientais.
Em 2021, Santa Catarina iniciou um amplo trabalho de revisão das áreas aquícolas e regularização das fazendas marinhas para organizar o uso das águas da costa. Desde então, o Projeto de Reordenamento da Maricultura já ajudou mais de 300 produtores a legalizarem sua situação.
Obstáculos no mar
Esse trabalho veio corrigir questões que não foram resolvidas na primeira iniciativa de organização das fazendas marinhas. Em 2011, Santa Catarina foi pioneira no Brasil com a criação de 26 parques aquícolas. Apesar disso, até 2020, ainda havia problemas como demandas por áreas, conflitos de uso da zona costeira, necessidade de ajustes no posicionamento de áreas e desrespeito às demarcações.
O primeiro passo do Projeto de Reordenamento da Maricultura, em 2021, foi a criação de um Acordo de Cooperação Técnica. Esse acordo envolveu Epagri, Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (atual Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA) e Secretaria de Agricultura e Pecuária de Santa Catarina.
O papel da Epagri foi liderar uma força-tarefa para avaliar a situação, formando comissões em todos os municípios envolvidos. “Em 2021 e 2022, foram feitas 71 reuniões e mais de 900 visitas técnicas a aquicultores”, conta Everton Della Giustina, coordenador de Aquicultura e Pesca na Epagri. As informações levantadas culminaram na criação de um banco de dados em um Sistema de Informações Geográficas.
Esse trabalho permitiu identificar 78 áreas aquícolas planejadas e não ofertadas; 249 áreas ofertadas, mas devolvidas ou não cedidas; 61 áreas em conflito com outras atividades; 107 áreas posicionadas em locais ambientalmente impróprios; 75 propostas de ajuste de posicionamento e 57 propostas de novas áreas.
Plano de ação
Feito o diagnóstico, começou a reorganização. Nessa fase, a Epagri atende maricultores dos 12 municípios catarinenses que têm parques aquícolas, prestando apoio na regularização do uso das águas. “Auxiliamos no levantamento da documentação para assinatura dos contratos, realizamos visitas para identificar os vértices de áreas aquícolas e, em conjunto com o MPA, ajudamos a elaborar propostas de ajuste de posicionamento de áreas nos municípios. Também apoiamos a organização de reuniões nas comunidades para levantar interessados em áreas aquícolas residuais”, enumera Everton.
Novos contratos
Nessa revisão da maricultura catarinense, muitos contratos foram cancelados por irregularidade ou desistência dos usuários, enquanto outros foram celebrados. Santa Catarina encerrou 2024 com 549 contratos vigentes.
Um dos maricultores que regularizou a situação foi Neri Manoel Pereira, de Palhoça. Morador da praia de Enseada de Brito desde que nasceu, Neri produz mexilhões no “pátio” de casa desde 1989. Por uma falha na licitação de 2008, ele recebeu contrato de área em outra comunidade, Araçatuba. “Eu já estava produzindo no mesmo local há quase 30 anos, mas me deram uma área bem longe daqui”, conta. A situação também gerou conflitos com outros maricultores.