QUE FUTURO PARA O DIREITO PENAL?



A tensão histórica entre o indivíduo e a comunidade e as questões jurídicas e filosóficas envolvidas deságuam no Direito Penal as mais diversas correntes de entendimento: desde o abolicionismo até o denominado Direito Penal do Inimigo, com a flexibilização ou a redução das garantias processuais penais em ilícitos penais graves, como o terrorismo, o tráfico de drogas, os crimes sexuais, entre outros.

A criminalidade organizada, sobretudo quando associada à lavagem de dinheiro, tem dado mostras de que a dogmática jurídico-penal necessita de uma releitura em algumas concepções tradicionais, nomeadamente na esfera da imputação e da culpabilidade, com o estudo da posição de garante no âmbito da delinquência empresarial e dos critérios para a responsabilização penal das pessoas coletivas.

Os riscos sistêmicos decorrentes dos danos ao ambiente, à ordem econômico-financeira e ao regime democrático têm de ser interpretados no sentido da construção de um juízo ético de imputação, sem descurar dos princípios e garantias fundamentais.

No que tange aos efeitos da corrupção, cada centavo desviado é justamente aquele que faz falta na consecução das políticas públicas, isto é, na educação de qualidade, na saúde, na segurança, promovendo uma desorganização estrutural do Poder Público. Tal aspecto atinge destinos, caminhos e projetos de vida de incontáveis seres humanos e seus familiares, amargando em filas de hospitais superlotados e em listas de espera por vagas na educação infantil.

A defesa dos interesses coletivos reclama a intervenção do Estado, não apenas na esfera penal, mas, sobretudo, no âmbito administrativo, como se extrai, por exemplo, da relação de acessoriedade entre o Direito Penal do Ambiente e o Direito Administrativo na definição de determinados tipos penais.

Assim, precisamos de um Direito Penal da culpa, que leve a sério os direitos fundamentais dos cidadãos, em todas as suas dimensões, diante das novas formas de criminalidade organizada e das agressões oriundas de particulares, campo de incidência do princípio da proibição de proteção insuficiente. Tudo isso sem transgredir ou dar guarida a práticas que violem direitos – a tortura do “inimigo” pode “libertar da garrafa o gênio do mal”, como recordava o saudoso e estimado Professor Augusto Silva Dias, da Faculdade de Direito de Lisboa -, em obediência ao fundamento último no qual repousa a intervenção penal: a dignidade da pessoa humana.



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