5 de março de 2004. O ingresso na carreira do Ministério Público, com a cerimônia de posse marcou profundamente minha trajetória de vida e a de meus colegas, sobretudo em virtude do grande desafio que brota do compromisso assumido de promoção dos direitos fundamentais e transformação da realidade social.
5 de março de 2023. O decurso de aproximadamente duas décadas na Instituição do Ministério Público permite escrever algumas linhas em torno da aplicação do Direito, em especial na perspectiva de sua dimensão temporal.
Com efeito, no longínquo ano de 2004, nos pagos da região missioneira, mais precisamente na querida Santo Augusto, começava a me aprofundar acerca da cultura e dos hábitos dos cidadãos, examinando inquéritos e processos, atendendo ao público na Promotoria de Justiça com empatia e sensibilidade.
Ao longo da atuação ministerial, passando pelas Promotorias de Seberi e Rodeio Bonito, em 17 de dezembro de 2007, assumi a Promotoria de Torres, minha atual lotação. O trato acolhedor e as belezas naturais proporcionadas pela geografia do local merecem registro, além do fraterno ambiente institucional.
De lá para cá, com a dinâmica do tempo associada aos afazeres funcionais, foi possível verificar que a permanência na Comarca (mais de 15 anos) contribuiu para a aplicação do Direito à luz da relação entre experiência e expectativa.
O Direito, como ensina François Ost, em sua obra na qual explora as relações entre a Ciência Jurídica e o tempo, apresenta quatro categorias, quais sejam, memória, perdão, promessa e questionamento.
Recordo-me de um caso concreto em especial: na Comarca de Rodeio Bonito, uma mulher foi denunciada pela prática de homicídio doloso contra seu ex-marido, mediante disparos de arma de fogo. Em uma lógica de subsunção, não há reparo ao enquadramento da conduta penalmente típica. Ocorre que, a partir da instrução e do tempo do processo, foi possível verificar, da leitura dos autos, que a conduta praticada melhor se ajustava ao contexto de exculpação penal, a partir do estudo das emoções e do ambiente doméstico caracterizado por constantes ameaças e violências, inclusive contra os filhos, por parte do falecido marido. O dinheiro contado da família era gasto no meretrício da cidade e, na tentativa de eventual separação, a acusada era agredida física e moralmente, além de sofrer ameaças de morte. No dia da sessão do Tribunal do Júri, os filhos do casal estavam sentados ao lado da denunciada (mãe), sendo que os jurados mostraram-se consternados com o fatídico episódio, e, diante da prova dos autos, acolheram o pedido do Ministério Público de absolvição da acusada, com base na inexigibilidade de conduta diversa.
Por conseguinte, a dinâmica do tempo trouxe o amadurecimento institucional, a responsabilidade social e a importância da articulação em rede ao lado da comunidade. A legitimação social do Ministério Público brota do trabalho feito por pessoas e para as pessoas, para além das Novas Tecnologias, porquanto o componente humano é imprescindível para a concretização dos direitos humanos e fundamentais.